Já acreditei em
muitas mentiras, mas há uma à qual sempre fui imune: aquela que celebra a
juventude como uma época de rebeldia, de independência, de amor à liberdade.
Não dei crédito a essa patacoada nem mesmo quando, jovem eu próprio, ela me
lisonjeava. Bem ao contrário, desde cedo me impressionaram muito fundo, na
conduta de meus companheiros de geração, o espírito de rebanho, o temor do
isolamento, a subserviência à voz corrente, a ânsia de sentir-se iguais e
aceitos pela maioria cínica e autoritária, a disposição de tudo ceder, de tudo
prostituir em troca de uma vaguinha de neófito no grupo dos sujeitos bacanas.
O jovem, é verdade,
rebela-se muitas vezes contra pais e professores, mas é porque sabe que no
fundo estão do seu lado e jamais revidarão suas agressões com força total. A
luta contra os pais é um teatrinho, um jogo de cartas marcadas no qual um dos
contendores luta para vencer e o outro para ajudá-lo a vencer.
Muito diferente é a
situação do jovem ante os da sua geração, que não têm para com ele as
complacências do paternalismo. Longe de protegê-lo, essa massa barulhenta e
cínica recebe o novato com desprezo e hostilidade que lhe mostram, desde logo,
a necessidade de obedecer para não sucumbir. É dos companheiros de geração que
ele obtém a primeira experiência de um confronto com o poder , sem a mediação daquela diferença de idade
que dá direito a descontos e atenuações. É o reino dos mais fortes, dos mais
descarados, que se afirma com toda a sua crueza sobre a fragilidade do
recém-chegado, impondo-lhe provações e exigências antes de aceitá-lo como
membro da horda. A quantos ritos, a quantos protocolos, a quantas humilhações
não se submete o postulante, para escapar à perspectiva aterrorizante da
rejeição, do isolamento. Para não ser devolvido, impotente e humilhado, aos
braços da mãe, ele tem de ser aprovado num exame que lhe exige menos coragem do
que flexibilidade, capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria – a
supressão, em suma, da personalidade.
É verdade que ele
se submete a isso com prazer, com ânsia de apaixonado que tudo fará em troca de
um sorriso condescendente. A massa de companheiros de geração representa,
afinal, o mundo, o mundo grande no qual o adolescente, emergindo do pequeno
mundo doméstico, pede ingresso. E o ingresso custa caro. O candidato deve,
desde logo, aprender todo um vocabulário de palavras, de gestos, de olhares,
todo um código de senhas e símbolos: a mínima falha expõe ao ridículo, e a
regra do jogo é em geral implícita, devendo ser adivinhada antes de conhecida, macaqueada
antes de adivinhada. O modo de aprendizado é sempre a imitação – literal,
servil e sem questionamentos. O ingresso no mundo juvenil dispara a toda
velocidade o motor de todos os desvarios humanos: o desejo mimético de que fala René Girard, onde o
objeto não atrai por suas qualidades intrínsecas, mas por ser simultaneamente
desejado por um outro, que Girard denomina o mediador.
Não é de espantar
que o rito de ingresso no grupo, custando tão alto investimento psicológico,
termine por levar o jovem à completa exasperação impedindo-o, simultaneamente,
de despejar seu ressentimento de volta sobre o grupo mesmo, objeto de amor que
se sonega e por isto tem o dom de transfigurar cada impulso de rancor em novo
investimento amoroso. Para onde, então, se voltará o rancor, senão para a
direção menos perigosa? A família surge como o bode expiatório providencial de
todos os fracassos do jovem no seu rito de passagem. Se ele não logra ser
aceito no grupo, a última coisa que lhe há de ocorrer será atribuir a culpa de
sua situação à fatuidade e ao cinismo dos que o rejeitam. Numa cruel inversão,
a culpa de suas humilhações não será atribuída àqueles que se recusam a
aceitá-lo como homem, mas àqueles que o aceitam como criança. A família, que
tudo lhe deu, pagará pelas maldades da horda que tudo lhe exige.
Eis a que se resume
a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte que o despreza, desprezo
pelo mais fraco que o ama.
Todas as mutações
se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o não-ser: o jovem, em
trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é, por fatalidade,
inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das culpas de quanto se
passa dentro e em torno dele. Seus julgamentos são quase sempre a inversão
completa da realidade. Eis o motivo pelo qual a juventude, desde que a covardia
dos adultos lhe deu autoridade para mandar e desmandar, esteve sempre na
vanguarda de todos os erros e perversidade do século: nazismo, fascismo,
comunismo, seitas pseudo-religiosas, consumo de drogas. São sempre os jovens
que estão um passo à frente na direção do pior.
Um mundo que confia
seu futuro ao discernimento dos jovens é um mundo velho e cansado, que já não
tem futuro algum.
By Olavo de Carvalho - Jornal da Tarde, 3
de abril de 1998 - http://www.olavodecarvalho.org/o-imbecil-juvenil/
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